sábado, 14 de junho de 2008

FALA QUE EU TE ESCUTO!


Após meses interceptando as ligações feitas àquele gabinete, Dr. Flagrâncio, o delegado, já não agüentava mais de dor nas costas. Durante praticamente todo o cerco, permanecera dentro do furgão, temendo perder o instante exato em que o Desembargador cometeria um erro. Este último, por seu lado, ressabiado que estava com o que denominava “febre das escutas telefônicas”, não dava ponto sem nó, e o Delegado já havia percebido isso. Preparava-se para mandar o seu pessoal recolher o equipamento, quando o telefone do gabinete tocou mais uma vez:

–Desembargador, ligação para o senhor...

–Não posso atender! – Bradou interrompendo a secretária – Invente qualquer besteira, diga que só atendemos após as 17h30min, que você só pode dar as informações que já estão na Internet. Ora! Você conhece as desculpas clássicas!

–É sua mãe no telefone, devo mesmo dizer isso a ela?

–Evidentemente que não. Passe logo essa ligação.

Um leve estampido e a senhora estava na linha:

–Mamãe, não é uma boa hora para ligar.

–E quando é que é uma boa hora, Nenê? – Em que pesem os inúmeros títulos ostentados pelo magistrado, para sua mãe ele sempre será Nenê, o caçula, a alegria da casa. – Você nem nos procura mais! Esse fim-de-semana vai ter uma confraternização no clube aqui da cidade. Por que você não vem? Todos aqui têm muito interesse em vê-lo. Todos querendo te agradar, te paparicar...

–Olha, eu não sei nada de clube, nem desses interesses de que você fala. Além disso, é natural que queiram me agradar, mas eu não me deixo ser agradado, ouviu bem?! NÃO ME DEIXO SER AGRADADO!

–Ok. Se você não gosta dos vizinhos, venha, pelo menos para ver como anda o Bingo. O bicho está precisando tanto da sua atenção. – Disse a velha senhora, em tom maternal.

–Bingo?! Bicho?! Eu não sei nada sobre isso! Eu quero que fique muito claro nessa ligação que eu não sei absolutamente nada sobe bingo e muito menos sobre bicho. – A voz do Desembargador era embaçada, tal era o seu nervosismo.

–Por acaso você é louco? O seu cachorrinho, o Bingo. O pobrezinho sente tanto sua falta. Você deve estar estressado. Tem se alimentado direito? Tem comido verdura? Quer que a mãe mande umas alfaces da nossa horta?

–Escute, mamãe, faça o que fizer, não me mande alfaces! Repito: NÃO ME MANDE ALFACES! Eu me recuso a receber alfaces, repolho, couve ou qualquer coisa do gênero! – Falou e bateu o telefone.

Ele venceu, pensou o Delegado, dando o trabalho por encerrado. Ordenou, então, ao seu pessoal que recolhessem o equipamento. Foi quando um dos homens o interpelou:

–Calma aí, Dr. Flagrâncio, ela deixou o telefone fora do gancho!

E do furgão seguiram escutando a velha senhora falar:

–Pai, esse teu filho, vou te contar, se não falar em propina, não conversa nem com a própria mãe!

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