segunda-feira, 1 de setembro de 2008

REPARTIÇÃO EM FESTA


Dr. Cortês Polido nunca saía de sua imensa firma de advocacia, no centro-oeste do país. Se saia, era apenas para reunir-se com clientes multinacionais, palestrar em grandes convenções, ou receber prêmios. Eventualmente, quando a coisa estivesse muito feia mesmo, reunia-se com magistrados. Naquele dia, parecia ser o caso. Um mal entendido em um processo que tramitava em uma comarca do sul faria seu cliente perder milhões. Sem hesitar, perguntou para o seu pessoal se queriam alguma coisa do sul e entrou num avião com três tarefas: tirar um processo em carga, fazer cópia integral de outro e, ao fim do dia, a tal reunião com o juiz.

Chegou cedo. Gel no cabelo. Abotoaduras de ouro. Sapatos lustrosos. No cartório, porta trancada, em que pese o aviso “entre sem bater”. Sem conseguir entrar, resolveu bater. Uma senhora matrona entreabriu a porta, olhou-o de cima abaixo e, aparentando surpresa, indagou:

–Tu não sabes que até as 10h30min o expediente é interno? – Falou e bateu a porta.

Nisso chegaram dois motoboys (notava-se por suas vestes). Um trazia caixas de cachorrinhos quentes e outro, garrafas de refrigerante. Bateram na porta. O advogado tentou alertá-los do horário, mas antes que dissesse qualquer coisa, a porta se abriu e a mesma senhora, com um sorriso no rosto, recebeu a mercadoria, batendo a porta atrás de si. Era aniversário de um servidor e o cartório estava em festa.

Dr. Cortês decidiu ir ao bar e tomar um café. Seguiu seu olfato até ver o balcão cheio de guloseimas, torta de sorvete, muita gente em volta (certamente faziam hora, como ele). Acomodou-se e pediu o cardápio. Fez-se silêncio no recinto. A atendente, franziu o cenho e exclamou:

–Isso aqui não é bar, doutor! É a vara cível! Esta é a festa de despedida do estagiário que está saindo, assim como o senhor! Saia já!

Tudo ficou muito pior quando as varas abriram ao público. Advogados se amontoando para serem atendidos. Os servidores com cara de exauridos defendiam-se: calma “cara” – ali se chamava advogado de “cara” – é difícil dar conta do trabalho, nesta vara!

À hora da reunião, o causídico, já extenuado aguardava e nada do juiz. A assessora veio, então, avisá-lo de que a reunião teria que ser remarcada. O juiz, na condição de autoridade forense, fora parabenizar o servidor que aniversariava e, depois, iria à festa de despedida do estagiário.

Frustrado e ofendido, o grande advogado retornou à sua cidade sem nenhuma das tarefas cumpridas (um processo estava com a informação errada na internet e o prazo era pra outra parte, o outro estava numa pilha muito grande e, só daria pra encontrar no dia seguinte). Ao ser indagado pelo seu pessoal sobre o que achara do foro sulista, deu de ombros e, após um profundo suspiro, fitou o interlocutor e asseverou:

–Igual a todos os outros...

http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?idnoticia=13054


Kombi da Torta de Sorvete em frente ao TJRS
(em local proíbido... para advogados...)