segunda-feira, 17 de agosto de 2009

PSICOADVOCACIA


Dois grandes terapeutas que litigavam sobre a autoria de determinada tese científica se encontram no saguão do fórum, minutos antes da audiência. O aperto de mãos hipócrita de forma alguma ocultava o sentimento hostil que nutriam um pelo outro. A erudição de ambos era, agora, única fronteira a impedir que a contenda ingressasse o plano da agressão física. Por essa mesma razão o litígio veio a instaurar-se no plano puramente psíquico. E o primeiro golpe fora desferido:

–Contratei um advogado imbatível. Seria melhor você desistir da ação agora mesmo e evitar o constrangimento da derrota. – Disse o psicólogo que havia chegado antes ao local da audiência.

–Duvido que o seu advogado seja melhor que o meu. Ele é portador de Transtorno Obsessivo Compulsivo e de uma série de outras enfermidades que o tornam uma máquina de advocacia. Nunca imprime uma petição que não esteja realmente perfeita. Conta até o número de linhas de cada página para alcançar a simetria ideal do texto.

–Pois o meu advogado é psicótico-narcisista. Não aceitará outro resultado que não a vitória. Levará esta ação para o lado pessoal e, certamente, não vai se contentar em vencê-la. Vai tentar destruir a sua carreira e a de seu advogado.

–O meu advogado possui Q.I. 187 e um quadro avançado de esquizofrenia paranoide e mania de perseguição. Não vai dormir até rebater com a mais absoluta veemência todos os pontos da tese defensiva do seu advogado!

–Já o meu advogado teve uma infância infeliz e encontrou nos livros o substituto ideal para os amiguinhos que não tinha. Isso o tornou incrivelmente erudito!

–Ah, mas o meu advogado era ignorado pelo pai e pela mãe o que tornou carente de atenção e de afeto. Por esta razão ele se esforça muito mais no trabalho afim de obter o reconhecimento que não obteve quando criança!

–Mandei meu advogado parar de tomar lítio há três semanas para que ele viesse a essa audiência absolutamente furioso!

–E eu disse que para o meu que se ele perdesse essa causa, eu não seria mais seu amigo!

–E eu...

Nesse momento, os dois homens percebem que uma multidão acompanhava a discussão, inclusive seus defensores.

Diante do entrevero que se formou a audiência foi cancelada. A próxima ocasião em que ambos os psicólogos se encontraram também foi uma audiência: a da ação de danos morais que os causídicos moveram contra eles por revelarem suas intimidades que deveriam estar sob sigilo profissional. Então, o terapeuta que outrora movera a ação contra o colega aproxima-se do mesmo e indaga:

–E agora? O que faremos?

–Ora, não se preocupe. Os juízes nunca fixam indenizações em mais do que alguns salários mínimos e honorários são sempre arbitrados em valores irrisórios.

E o outro, perplexo, responde:

–Isso, sim, é loucura!!!
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