quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

CARTA A NOEL


O advogado, após passar um lindo natal em família, inspirado pelas cartinhas que seus filhos endereçaram a Papai Noel, decide - ele próprio - redigir uma missiva ao bom velhinho. É claro que alguns traços da vocação processual se fazem sentir, no petitório, que assim começa:

"ILUSTRÍSSIMO SENHOR PAPAI NOEL"

E após deixar o tradicional espaço para o despacho, o advogado prossegue:

Por meio da presente, o signatário vem à vossa elevada presença declinar Pedido de Presentes de Natal, o que faz, nos termos das linhas que seguem:

1) “Que a justiça seja célere"...

Mas após alguns minutos de reflexão, o advogado arrepende-se e reescreve o pedido: "Que a justiça seja célere, quando eu representar o credor, e morosa, quando eu representar o devedor".

2) "Que os juízes deixem de arbitrar honorários aviltantes"
... Mas em alguns instantes vem a ressalva: "A não ser que meus clientes sagrem-se sucumbentes".

3) "Que as indenizações deixem de ser fixadas em valores irrisórios... salvo quando eu estiver representando o condenado".

4) "Que os advogados sejam cada vez mais unidos e que se tratem sempre com respeito e urbanidade"
.(Nenhuma ressalva é feita, quanto a este tópico).

5) "Que os juízes não sejam formalistas e apegados a meras irregularidades irrelevantes"... (E após engolir em seco). "A não ser que estas tenham sido suscitadas por mim".

Cinco pedidos já eram o suficiente. Além disso, já iniciava-se a madrugada do dia 26 de dezembro. Então, o advogado apressou-se em dar fecho à petição:

"Ante o exposto, requer-se que Vossa Senhoria digne-se atender Pedido de Presentes de Natal, nos moldes especificados supra, por ser a expressão dos desejos natalinos do subscritor, que apresentou comportamento exemplar no ano que passou, fazendo jus, portanto, à graça pretendida.

Nestes Termos, pede deferimento".


Após concluir, deixa a carta em uma das meias que enfeitavam a lareira, onde, na noite anterior, os seus filhos deixaram os seus próprios petitórios. Na manhã seguinte, ao cruzar a sala, o advogado olha para sua carta e percebe que havia algo escrito, no espaço deixado para despacho.

Empolgado, ele retira a carta de dentro da meia e depara-se com a seguinte decisão:

"R.H. Não conheço do pedido, por intempestivo. Em 26/12/2011. (ass.) Papai Noel".


http://www.espacovital.com.br/noticia-26440-carta-noel

terça-feira, 30 de agosto de 2011

TEORIA DOS PRÉDIOS FLUTUANTES



Em uma mesa de bar reúnem-se um médico, um engenheiro e um advogado. Antigos colegas de colégio, eles discutem sobre suas vidas. Em meio a queixas e lamentações, o médico afirma:

– O advogado é que está bem! Quando ganha uma causa grande, entra uma enxurrada de dinheiro!

Como que por cacoete, o advogado contesta:

– Quem dera! Mesmo em causas de milhões, os juízes têm fixado honorários de poucos mil reais! Em algumas causas, colegas recebem honorários de, acreditem, um real!

– Mas e quanto aos honorários contratuais, que vocês combinam com os clientes? – indaga o engenheiro.

O advogado rebate:

Como cobrar honorários dignos em um mercado tão saturado? Cobrar por consulta é algo a que poucos podem se dar o luxo. Às vezes, quando um cliente se nega a pagar o meu deslocamento para a realização de uma diligência, eu peço para que ele pense quanto o médico dele cobra por uma consulta em domicílio. Diante da resposta, sempre com valores altos, eu digo: ´imagine, então, quanto ele não cobraria para ficar duas horas para você na Receita Federal aguardando sua senha ser chamada! Dele você não se queixa´!

Os interlocutores acham graça, mas o engenheiro explica que sua profissão enfrenta mais dificuldades, pois um mero erro de cálculo pode representar uma tragédia. O médico sustenta que não existe responsabilidade maior do que lidar com a saúde e a vida das pessoas.

E o advogado discorda:

Há alguém demolindo o prédio enquanto você o constrói? Há alguém desatando os pontos enquanto você sutura? Não! Só na Advocacia há um profissional tão qualificado quanto você tentando destruir o seu trabalho, uma característica que só tem paralelo no pugilismo. Em nossa luta, porém, o árbitro também quer nocautear você. Pelo menos, se toda essa batalha fosse recompensada com uma justiça ágil e de qualidade... Entretanto, a massificação faz com que as sentenças atentem cada vez menos para as particularidades do caso concreto.

– Sim, é a velha teoria dos prédios flutuantes - comenta o engenheiro.

– Mas que teoria é essa? – indaga o causídico.

É uma brincadeira que fazíamos com o pessoal do Direito, na faculdade. Por exemplo: na Engenharia, se não construo as fundações como devem ser feitas, o prédio cai. Já no Direito, o que o juiz decide é o que vale. Só que muitas vezes as fundações de uma decisão não repousam sobre a firme base da justiça, mas no movediço terreno da vaidade e da prepotência. Se sentenças assim fossem prédios, estes desmoronariam, mas, como no Direito não há como fazer essa aferição, elas se sustentam como prédios flutuantes que, analogicamente, são as situações injustas criadas por decisões formalistas e distanciadas do caso concreto.

– Mas que teoria interessante! Você poderia ser jurista! - exclama o advogado.

– Bem, depois de tudo o que você disse, prefiro a Engenharia... ou o pugilismo.

http://www.espacovital.com.br/noticia-24845-teoria-dos-predios-flutuantes

domingo, 1 de maio de 2011

RECEBENDO A QUITAÇÃO


O advogado dirige-se ao cartório de uma vara cível para retirar um alvará. Ao deparar-se com o documento, entretanto, observa que só o seu cliente estava autorizado a levantar os valores.

A prudência diante da grave inadimplência com que a classe tem que conviver e a relevância daquele numerário para sua subsistência lhe recomendavam que insistisse para que o alvará fosse expedido em seu nome. Peticionou, então, solicitando a expedição de novo alvará.

Sobreveio decisão negando o pedido, uma vez que, à procuração, não constavam poderes específicos para “receber e dar quitação”, na forma do art. 623 da Consolidação Normativa Judicial.

Intimado da decisão, o advogado dirigiu-se, imediatamente, ao cartório, pois suas procurações sempre traziam tais poderes. Lá chegando, chamou escrivão para esclarecer o mal entendido:

–Senhor Escrivão, houve um engano na expedição do meu alvará. O juiz disse que, na procuração, não havia poderes para receber e dar quitação. Mas cá estão os poderes, veja. Leia comigo: “poderes específicos para dar e receber quitação”.

–Mas e onde estão os poderes para “receber e dar quitação”? – Indaga o escrivão.

–O quê? Eu acabei de mostrar-lhe! Está aqui: “dar e receber quitação”.

–Mas “dar e receber” não é a mesma coisa que “receber e dar.” O doutor – disse o escrivão, referindo-se ao juiz – nunca vai lhe autorizar a sacar o dinheiro.

–Mas isso é um absurdo! “Dar e receber” não é a mesma coisa que “receber e dar”? Isso é inaceitável!

–Doutor, lamento, mas a lei diz “receber e dar” e não “dar e receber”. É a lei, doutor.

-Santo Cristo! – Blasfema o advogado, perplexo. Não perdeu mais tempo tentando explicar a questão semanticamente, ou as formas de interpretação da norma jurídica. Simplesmente recorreu e, como não poderia deixar de ser, obteve a reversão da decisão.

Mas depois deste episódio o advogado já não era mais o mesmo. Estava decepcionado e descrente no Judiciário. O que mais o entristeceu foi que, ao realizar a pesquisa para elaborar o recurso, observou que existe, de fato, discussão jurisprudencial e doutrinária sobre as expressões “receber e dar” e “dar e receber” quitação. Embora prevaleça o entendimento de que ambas conferem poder ao advogado para levantar alvará, questionava-se se a origem desta discussão residiria no puro interesse científico, o que seria salutar, ou em uma sádica força nem tão invisível que impele os Órgãos do Judiciário a, de alguma forma, obstar o acesso do advogado aos seus honorários.

Fato é que nosso personagem retornou ao cartório para exigir que o alvará fosse refeito. Reconhecido pelo pessoal do cartório, foi novamente interpelado:

–É doutor. “Receber e dar”, “dar e receber”... Coisas do português.

E responde o advogado, com ironia:

–Coisa de português, sem dúvida...


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http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?id=23022

quinta-feira, 3 de março de 2011

REALITY SHOW


Uma emissora de TV, buscando inovar, criou um novo reality show em que profissionais da área jurídica conviveriam confinados em uma casa. O público, semanalmente, eliminaria os participantes. O vencedor receberia um precatório no valor de R$ 10 milhões de crédito junto ao Estado do Rio Grande do Sul.

Já de início, o reality atingiu picos de audiência. As brigas eram constantes e versavam sobre qualquer assunto, desde acaloradas discussões jurídicas da mais alta indagação, até a distribuição dos afazeres domésticos e a insistência dos concorrentes em buscar estabelecer distinções hierárquicas entre si.

Como sempre, os confinados reuniram-se em grupos. Membros do MP e da magistratura rapidamente formaram uma aliança. A classe dos Notários e Oficiais Registradores foram os primeiros eliminados pelo público, pois o povo entendeu serem estes os que menos necessitavam do prêmio, dados os privilégios e monopólio que detinham sobre suas atividades.

Os servidores não foram acolhidos pelo grupo dos magistrados e membros do MP, mas, por questão de princípios, se recusaram a unir-se com os advogados, o que os enfraqueceu e culminou com a sua eliminação. Por sua vez, todos os advogados com exceção de um, que era mais tímido, foram eliminados, não pelo público, mas pela organização do programa cujo regulamento expressamente proibia a utilização do espaço para fins publicitários, o que parecia não importar aos causídicos que anunciavam serviços de revisão de contratos e retirada do nome de cadastros de proteção ao crédito.

Sem sua assessoria, muitos juízes e promotores solicitaram a própria eliminação, pois o acúmulo de atividades se tornou insustentável. Ao final, participavam apenas o tal advogado tímido, um juiz e um promotor. Os dois últimos, antes aliados, perceberam que, agora, eram adversários diretos e buscaram de todas as formas uma aliança com o advogado.

O causídico preferiu se manter neutro e propôs que a disputa fosse resolvida da seguinte forma: os dois ex-aliados discutiriam temas de alta complexidade e o público, naturalmente, eliminaria aquele que se saísse pior. A estratégia agradou os ora adversários que ansiavam demonstrar publicamente sua erudição. Porém, após horas de enfadonha discussão, o povo decidiu eliminar ambos os contendores.

Assim sendo, sagrou-se vencedor o advogado que, indagado sobre o que faria com o seu precatório, respondeu:

–Venderei para que o ofereçam à penhora em execuções fiscais.

–Mas doutor, enquanto os senhores estavam confinados, o STJ decidiu que a fazenda pública pode recusar a oferta de um precatório à penhora, reconhecendo a sua lamentável falta de liquidez. – Disse, constrangido, o apresentador do programa.

Frustrado, e após refletir por um tempo, pontuou, o advogado:

–Bem, nesse caso, valeu pelo network.
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http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?id=22489