quarta-feira, 12 de novembro de 2008

OPERAÇÃO "NOITE (IN)FELIZ"


Três fiscais, um da Receita Federal, um da Secretaria da Fazenda do Estado e um da EPTC, que tiveram que trabalhar em pleno dia 25 de dezembro, resolveram fazer um happy hour, ao fim do expediente. Ao deixar o bar, quando já estavam se despedindo, eis que, bem à sua frente aterrissa um trenó puxado por renas voadoras, guiado por ninguém menos que ele: Papai Noel!

–Ho, ho, ho! Feliz natal! Venho trazendo estes presentes lá do Pólo Norte sem fazer nenhuma parada... preciso ir no banheiro...

O fiscal da Receita Federal não gostou nada do que ouviu. Franziu o cenho e já saiu interpelando o viajante:

–O senhor não fez nenhuma parada? Nem na alfândega? Entrou com esses animais no país, sem autorização do IBAMA? Mostre a quarta via da guia de importação de todos estes presentes agora mesmo!

Gaguejando, o Papai Noel começa a se explicar:

–Bem, nunca haviam me pedido nem autorização para as renas, nem guia de importação, mas, veja, estes presentes não são pra mim, são para as milhões de crianças do Brasil, ho, ho, ho! Asseverou, tentando sensibilizar o fiscal.

–Se esses presentes não são para uso pessoal do senhor, se o senhor pretende distribuí-los aqui no Brasil, então agora o senhor se “lascou” mesmo. Vou ter que apreender as renas e os presentes. Estes que estão apenas em trânsito para a Argentina e Uruguai eu posso deixar passar. Pode ficar com essa rena de nariz vermelho, deve estar doente.

–Mas, senhor, eu sou o Papai Noel!

–A União não acredita em Papai Noel! Além disso, não me interessa quem o senhor é. Eu não abro exceções. Sou um aplicador da lei, não negocio e não faço vista grossa. E tenho dito.

E foi-se o fiscal da RF levando os presentes a tiracolo, montado numa das renas. Em seguida o da fiscal da SEFAZ dirigiu-se a Noel:

–Pior é que eu vou ter que apreender o resto das mercadorias, pois observo que você circula sem Nota Fiscal. Me empreste algum documento pra eu lavrar o Auto de Infração... Deixe me ver... Opa! Aqui está dizendo que o seu nome é Nicolau de Bari!

–Sim, esse é meu nome verdadeiro. Papai Noel é só minha alcunha.

–Sim, alcunha é coisa típica dos infratores, mesmo. Ainda bem que nós da SEFAZ nunca acreditamos em Papai Noel. Tchau, tchau, Nicolau! – E saiu com o resto da mercadoria.

O pobre Papai Noel ficou desolado junto ao trenó. Percebendo que o fiscal da EPTC o observava, levantou seus olhos que encontraram os do fiscal:

–E o senhor? Vai me autuar pelo quê?

–Veículo de propulsão animal sem licença da Prefeitura, art. 24, XVII, do Código de Trânsito.

–Não dá pra relevar, tendo em vista tudo o que tive que passar hoje, bem na sua frente?

–Ok. Vou aliviar tua barra, mas tu vais ter que recolher aquele lixo ali da esquina.

–Bem, pelo menos vocês da EPTC acreditam em Papai Noel.

–Não, não acreditamos. Apenas toleramos os carroceiros.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

DR. BROTHER


Estavam todos a postos quando o advogado da autora dera início aos debates orais. E poucas vezes se viu uma exposição com tamanha eloqüência. Impossível transcrever a íntegra do discurso do causídico, mas a partir do trecho final se pode ter uma vaga idéia da beleza da oratória empregada por Dr. Platão Socrático àquela tarde, em plena Vara de Família:

–O agir heteropoiético ostentado pelo varão, ontologicamente considerado, a obumbrar a axiologia deontológica das núpcias, ignominiando e escarnecendo da varoa, o fez trilhar o descaminho que inexoravelmente o trouxe a deslugares. Casmurro arauto no lar, é indigno da vetusta, baluarte aclamada e conclamada pela comunidade e que nada mais fazia que recender e dimanar doçura e caridade por onde passava, exortando nada além de virtudes aos seus, fracassara, obviamente, em relação ao adúltero, este, sim, culpado do divórcio e com justiça defenestrado. Nada mais, Excelência.

E lágrimas desceram dos olhos do magistrado que, arregalando-os, fitou o advogado do réu, um menino que trajava terno, mas calçava tênis, cabelos tingidos de loiro, acne. Pela aparência não poderia ter mais que vinte anos de idade. Certamente, recém formado. Após engolir em seco e fitar novamente o neófito, o juiz asseverou, já de maneira tendenciosa:

–Vejamos o que tem a dizer o advogado do “adúltero”.

Dr. Brother, por sua vez, tendo presenciado a manifestação do oponente e observado o efeito do seu discurso sobre o nobre julgador, também cuidou para que sua manifestação fosse marcada pela utilização de termos, sob sua ótica, extravagantes. Surfista acostumado a enfrentar ambientes radicalmente hostis, iniciou com confiança sua manifestação:

–Tipo assim, data venia, ta ligado? Tipo, o coroa fez toda a mão pra mina: vivia trampando e, tipo, fazendo as “parada”. Deu um carango e uma baia pra mina. O cara era bala, mas a mina era perva, tipo, muito chave, saca? Curtia umas “parada” sinistra, e ainda ficava tirando o coroa. Tipo, não tava rolando, ta ligado? Daí o cara deu a real pra mina que não curtiu. Daí fez toda a mão, saiu da baia, tipo, na parceria, e pegou uma mina show e a outra ficou de cara, botou o cara no pau e “tamo” aqui, agora. Tipo, era isso... Falou.

O juiz estava vermelho de raiva. Nunca sua sala de audiência havia sido tão insultada por termos tão inadequados. Mas a verdade era que a prova estava em favor de Dr. Brother e a isso somava-se o fato de que, sinceramente, não entendera uma palavra do belo discurso do representante da autora. Assim sendo, a contragosto, sentenciou em audiência em favor do réu, mas para não desmerecer o venerável empenho de Dr. Platão Socrático, fez uma lisonjeira menção à sua notável manifestação, ao que aquele respondeu:

–Pode crer, mano!